Monday, June 28, 2010

O pouco que sobrou.

Menina faceira
frente a frente
longe dos meus lábios
nesse minuto que aposta
num acaso de realizado
enquanto seus olhos comemoram
saber que ainda corre
de cinta linga e batom
pela minha cara de tacho.

Monday, June 14, 2010

Noite de vigília.


Mais um barulho lá fora. Seco como madeira batendo no metal.
Carol deixa seu descanso de lado, levanta com o edredon e vai conferir as janelas.
Olha a janela de fundo pro terminal de Cargas, atravessa o salão e ve as da frente, para as Cohabs.Volta aliviada e deita novamente.
Outro barulho estranho e ela levanta.
"É muito barulhinho né. Vários barulhinhos..."
Levanta e repete a vigília. É o turno dela como observador de janelas, eu estou do turno que usa a internet para divulgar comunicados, vídeos e fotos sobre o CICAS.

"Um café é essencial né" me diz Carol, depois de sentar e acendar um cigarro no palco.
"Tem café ai não tem?" pergunto esperançoso.
Não..."

Outro barulho, de carro freando.
Lá vem a paranóia de que alguém está preparando uma emboscada para entrar no espaço.
Está muito frio, e sem cortinas, o vento estrupra as janelas antes de nos alcançar. De onde escrevo, vejo a biblioteca sem livros.

"Paraná?" alguém grita de fora.
Carol e eu levantamos assutados de nossos postos. Um de cada lado da janela, e vejo um homem de boné e camiseta de manga curta;
"Paraná?"
O homem vai embora.

Converso com Carol na base dos sussuros.
"Há duas atrás, quase meia noite, um homem negro, de aproximadamente 35 anos aparace na janela.
"Ae moleque doido".
É Sabotagem, uma espécie de caseiro do espaço. Apareceu em algum momento desse processo e se instalou onde antes era um banheiro externo. A passagem para o espaço foi lacrada há muito tempo.
"Salve Sabota. Que manda?"
"A paranaense tava aqui."
"Quem é paranaense?" - perguntou o Roger.
"Uma mina que vem fuma pedra por esses lados. Tava mexendo no registro de água pra encher a garrafinha pra poder fumar. Já falei pra ela, não é pra ficar aqui. Valeu moleque doido? Nois" - e foi embora"

Voltamos aos postos. Penso que a Carol tem razão, café realmente faz... outro barulho, dessa vez bem maior, algo grande de metal parece caído.
Carol salta do palco. Conferimos as janelas.
"Veio lá do fundo" me diz, com a câmera de vídeo na mão, nossa maior arma. O proceder é simples: qualquer atividade estranha será registrada. Tudo é suspeito.
Nada decorre do barulho.

Já acostumamos com a rotina. Um motoqueiro vindo visitar a namorada na Cohab da frente nos parece um espião da polícia civíl sacando a movimentação do lugar. Um triscado, um chinelo batendo no chão, um cachorro que corre e tromba qualquer coisa, um barulho de carro. Qualquer coisa e já estamos nas janelas, com a câmera na mão, pensando "pronto! eles chegaram".

"Sua cara eu não aguentei. Olhão aberto. Tensão total." me disse Carol, depois que me assustei com algum deles, riu e voltou a deitar.

Agora já faz uns cinco minutos que ela olha fixa para a janela que dá para o portão de entrada do CICAS, enrolada no cobertor. O frio é daqueles de umidecer as meias.

Do nada ela joga o cobertor para trás e sussura forte: "Pedro! A polícia está ai"
O mesmo frio que corre cortando meus músculos me impulsiona e já estou na janela, olhando de canto.
"Não to vendo, não to vendo"
"Passou um carro deles ai, com as luzes apagadas! Fica atrás do lençol, sai dai!"
Tiro a cabeça da janela e me escondo atrás do lenço, estrategicamente posicionado para conseguirmos espiar o mundo lá fora.
"Na verdade a gente não podia estar aqui né"
"Nunca pudemos" retruco olhando a janela.
"Agora mais do que nunca" - ela se refere a invasão da polícia militar na sexta-feira, quando vieram desocupar o espaço com sua amável conduta de "vou te arrebentar porque você é um vagabundo".

Carol entra no estúdio e começa a acordar Farley. São quatro pessoas dormindo ali, e se os policiais resolverem tentar entrar agora, temos que estar a postos.
O primeiro passo é ligar pro Roger. Ele então aciona a mídia, que já esta esperando também. Assim, as pessoas vão se ligando e se movimentando, e a espectativa é que antes que os policíais consigam arrebentar os cadeados e entrar no espaço, o lugar esteja tomado de gente.

"Não é normal isso Carol? Passar viatura aqui de luz apagada?"
"Normal é! Mas na atual situação..."

Ficamos um pouco mais tranquilos. Fico de tocaia na janela do fundo, Carol atrás do lençol.
Ficamos ali, olhando para o nada, esperando perceber despercebidos a ação de invasão. Qualquer coisa que reluza pode ser uma arma. Qualquer barulhinho um sussurro.
O tempo parece não passar e parece correr. O relógio aqui corre de um modo bem peculiar.

Desisto da vigília depois de um tempo e vou no banheiro.
Quando saio, Carol ainda está ali, e já acendeu outro cigarro.
"Você cagou no banheiro das meninas?"
"Você não vai contar né?" - o banheiro era o único lugar que tinha papel.
"Vou contar pra todo mundo amanhã"

A tensão proporciona algumas risadas.
Da janela dos fundos, vejo o parquinho iluminado e o adorno negro dos caminhões, estacionados ali enquanto seus motoristas procuram algo pra se distrair. Uma cachaça, uma pedra de crack, uma prostituta, ou tudo.

"Sabe, quando eu estava lá acordando o Farley, eu achei que estava cutucando o pé, mas era a cara dele!".

Rimos um pouco. Daqui a pouco outro barulho nos faz repetir o processo, incansávelmente.
Faltam menos de cinco minutos para os plantões serem trocados, são quase duas e meia da manhã.

"Parece que demora um tempão né?"
"Sim" concordo com ela, que acende outro cigarro.

Tuesday, March 23, 2010

Invento de inverno intocado.




Dançavam todos. Os que sentem sabor de bolor de mentira na boca, os que se anestesiam com ilusões catadas ao vento e os que pregavam verdades nas paredes alheias. Era uma festa bonita; tinham velas pelos cantos, palavras pelo ar e inconstâncias por dentro deles.

Na piscina de mágoas, um reflexo circular da luz de qualquer razão, qualquer bem saída de mal.

Cirandas e labirintos fizeram todos dar as mãos, sobre quaisquer formas de convívio e contato. Enrolavam-se nos cobertores de baratas e traças de papéis amarelos. Sem gravidade, sem tempo, sem mesuras.

Entrega total a incosciente e razão de que não se sabe nem se saberá.

Versões de histórias correram e vestiram mesas, camas e pessoas. Desceram abismos, estagnaram ou subiram aos céus todos os dias. Esfumaçaram-se nas vidraças, encontraram as privadas e boiaram em poças internas.

A chuva ácida tatuou o formato final nas peles e almas.

Wednesday, February 24, 2010

Nua pelo seu país.




Queria ter braços para alcançar o passado. Mas, de curtos e impotentes, não passaram do senão segurar-lhe o rosto e dizer apenas singelamente:

- Olá.

Talvez dois, três ou quatro goles de cerveja bastariam para esquecer a situação. Ou enchê-lo de coragem do saber que não existe nada mais que o presente sóbrio, não importa o quanto se beba.

Pode-se mudar os caminhos? Enchertar pedaços no cérebro alheio e convencê-lo de verdades tão simples pra si, que, de tão simples pra si, se tornam utopia para outros, pela síntese do ser.

Não temia mais o passado. Não sonhava mais com ele. Desenhava um futuro que destinos se cruzavam, coloridos e inoportunos, sem mazelas em comum que se tornariam apenas um. O um que existiu por frações de segundo. E que doeu.

Quando levantou a cabeça da mesa do bar, quando não sabia mais que devaneios ou razões, viu-se convencido de uma certeza. De que não há certeza alguma. Nem descerteza. Nem nada.

Cafés, cigarros, vinis, jazz, vinhos, macarrões aos mais diversos molhos, cebolas e não cebolas, bananas fritas, rumbas e runs. Figurantes de uma história que se enterrou embaixo de uma toalha, onde pessoas nuas se fundiam com a benção do hino da nação.

Friday, December 18, 2009

Caminho nenhum de certeiro rumo.


Andou por muitas quadras desconhecidas antes de deslumbrar algum objetivo. Temia os pormenores, mas os raios de sol nas janelas dos carros e das casas e dos olhos o faziam confiante, apenas pelo conflito luminoso. Correu, trotou lentamente e sentou-se, antes de pedir um café. Olhou com entusiasmo os caminhos que se configuravam.


As panelas, junto com conchas, colheres e facas, estavam penduradas pelas paredes. Somavam-se ao entorno estantes de garrafas de cerveja, fósforos, carvão, miudezas e tranqueiras, embaixo do baleiro. Pediu no pequeno e antigo bar uma cerveja.


- A mais gelada!, bradou antes de perceber qualquer situação exterior.


Tremoços e caroços ficaram no prato junto ao guardanapo amassado. As garrafas jaziam. A sanidade não sabia, mas sabia que sabia suas diretrizes. Anotou no velho pedaço de papel de pão: "Amanhã vai ser maior".


Do flerte, já consumia as estruturas e intenções. Como mordida de aranha, incharavam-se os nervos e parte do braço. Chegava a se perder no tempo, no clique do relógio, no barulho dos pneus de carros e no silêncio. Algo tamanho, que o fazia lidar com a paranóia da coexistência.


A saia rodada, preta e branca, dançava no vento de fora do corpo parado. A chuva caia forte, e ele, sentado, já não respirava. Doía, como dói o percorrer do quente do veneno por baixo da pele. Mas era bom. Insegurança que o anestesiava.


Olhou-a dormir, muito tempo depois. Depois de dança, de papo, de entrega, de sinestesia e de megalomania. Acendeu um cigarro pra ver o balé dos pés dançantes que dormiam. Sentiu os afagos, as jogadas de xadrez, as perspectivas e as distâncias.


Num sonho de labirinto, o ônibus de volta pareceu vazio. Sem ela ou ninguém. Não se lembrava de trajeto algum. Só de fragmentos. Que, de bons que pareciam, levaram-no a cozinha. Uma panela de água quente, um pouco de pó no filtro, uma xícara. Mas sem açucar no café.

Tuesday, September 08, 2009

Quintal de Corumbá.


Começou a lavar apática a louça do almoço de domingo. O sol batia nas águas do rio Paraguai, passava furtivo por porta e janelas abertas e explodia na parede, na geladeira e nas costas do seu vestido branco decotado. Subia pelas morenas coxas grossas, que suavam com o calor.

As panelas velhas ainda cheiravam ao caldo das piranhas, pescadas ali, na imensidão de água em que terminava o quintal. Enconstada na pia que molhava o ventre, sentia o calor do caldo enrijecer os seios e ensopar a calcinha. Passou as mãos cheias de sabão pelos cabelos e nuca. Uma das mãos afundou no decote. A outra apoiou-se na prateleira para sentar de pernas abertas e esfregar-se na quina do fogão. Gritou e gozou sem cerimônias.

Mais do que as cebolas que faziam chorar ou a palha de aço que cortava a mão, o que lhe doía era tanta piranha que sobrara. E como ainda haveriam de encher as prateleiras e gavetas da geladeira. Só pra si.

Lavou a jarra de suco, o prato, tábua e talheres. Cortou por acidente a ponta do dedo indicador com a peixeira. Ficou o olhar fascinado nas gotas de sangue que saiam por ele. Fez um corte superficial nos braços pra cada nova aventura ou amor ou paixão ou cagada que soube da vida do marido que perdeu pra vida.

Gotejava, como que de seu corpo corressem lágrimas. Abdicou do pano de prato e limpou os braços no vestido. Encostou-se à porta a olhar o quintal. Sorriu e caminhou em direção a água. Molhou os pés e arrepiou-se até a cabeça com a água gelada.

Entrou no rio devagar. O vestido molhou a passos lentos, turvando a água de sabor de sangue. Num leve movimento, ficou de costas e passou a boiar a mercê das mares. Sorriu até o último pedaço de lábio ser devorado pelas piranhas.

Wednesday, August 19, 2009

Café matutino sem açucar.

Quebraste uma
...........................estrofe.
Trincaste um
.......................verso.
Molhaste o
................... pão.